sábado, 23 de fevereiro de 2008

A astraunauta

Encontrámo-nos num bar, chegou com o marido, o Jorge, uns calções e umas botas de pelo por dentro, um jeito intimidatório de vê lá o que é que perguntas à minha esposa que eu estou aqui para a defender, Ana Malhoa a falar dele como “o meu braço direito, esquerdo, perna esquerda, perna direita, tudo”. Às tantas, a propósito de umas fotos em que aparece nua na Internet, a boa da Ana começa a negar a pés juntos que alguma vez se tenha deixado fotografar nua. Duvidei e, perante a insistência, ouvia confessar: “mediante certas condições estaria disposta a despir-me para a Playboy”. E, pose armada, sorriso fabricado para a fotografia, ergueu os peitos e exclamou: “Quando a Índia nasceu fiquei com umas maminhas que pareciam dois berlindes” e, Mamalhoa, “depois da plástica voltei a ter umas esferas”. E abanou-as. Conto-lhe que um internauta escreveu que “a Ana Malhoa é a mulher mais bonita de Portugal, por quem dava tudo o que tenho de bom na vida para estar umas horas”. Ela, deleitada, não esconde o agrado, passa a língua pela alvura da dentadura, lança o mesmo sorriso. Vaidoso e fabricado. Um outro internauta, que assina Almeida, e que escreve “O corpo da Ana Malhoa põe-me louco, pagava tudo o que tenho para a levar para a cama”, faz com que a cantora se ria, alto e bom som, o marido sempre com cara de poucos amigos, a filhinha, a Índia, ainda mais tímida ao colo do papai, a Ana que dispara, toda sensual: “sabia que o meu grande sonho de criança era ser astronauta?”

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Bizarrias

Incentivado pelo estigma de que com Paulo Furtado tudo pode acontecer em palco, fui a Coimbra ver os conterrâneos Wraygunn e o magnetismo, bizarria e sede de estranhamento do Tigerman. Desta vez nenhuma menina lhe mordeu os testículos, nem ele partiu a cabeça, nem jorrou sangue sem que percebesse. “Tinha uns óculos vermelhos e pensava que era suor”, contou-me há uns anos aqui em casa, num dia soalheiro em que dois americanos de uma certa ceita religiosa se aproximaram com a Bíblia na mão e acabaram com a guitarra a tiracolo, boquiabertos com a tatuagem que vislumbraram no braço de Furtado: “Straight to Hell”. “A confirmar-se a existência de um Céu e de um Inferno, que eu tenho certas dúvidas, pelos cânones da religião católica irei direitinho para o Inferno”, contou-nos sem o esboço de um sorriso.
Recordei uma outra noite coimbrã de Queima das Fitas em que os Tédio Boys entraram em palco nus e com as partes íntimas cobertas com um frango pronto a ir à fogueira, no corpo cicatrizes de escaramuças “numa Coimbra ingrata”, tempos em que a sua existência chegou a depender do recurso à violência. No palco, ele é outro, ganha uma força que não tem na vida real, franzino, distante, ali libertado num turbilhão de emoções e algum descontrolo que o faz trepar as estruturas dos palcos ou saltar em cima das colunas.
Terminada a actuação, Furtado esvazia-se por dentro e não tem mais para dar.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Saulzinho, o 'alien'

Fiquei amigo do guitarrista e violinista dos James e fui descobrindo um Saulzinho franzino e irrequieto, que se sentia um 'alien' em Portugal. Contou-me que a sua vida ficou marcada pelo facto dos pais terem sido professores de crianças deficientes, por ter habitado "em estranhos edifícios com loucos e convivido com um irmão adoptivo preto e outro com problemas mentais. Íamos para a escola com roupas coloridas, a cheirar a bosta e com o cabelo, que nunca tinha sido cortado, a cair até ao rabo". Já tocava mas só pensava em desistir "porque queria ser jogador de futebol e não um violinista com ar de homosexual". Disse-me que "era o melhor músico, o capitão da equipa, o que ganhava as corridas de atletismo e o que comia as irmãs deles". Tinha 16 anos quando o pai "desapareceu com outra mulher", sobreviveu a tocar violino na rua e a morar com um grupo de prostitutas espanholas. De repente, tudo mudou. Foi convidado para os James, gravou "Sit Down", trocou a bicicleta pela limusina, atingiu os tops de todo o Mundo. Uma vez disse-me que não foi por ter casado com a bela da Ana e ficado a morar em Portugal que os James acabaram, mas porque "andávamos todos paranóicos com uma carta de uma japonesa que tinha uma foto com as capas dos nossos discos e uma faca ensanguentada por cima. Dizia que, se não lhe déssemos atenção, se suicidaria".