sábado, 10 de maio de 2008

Sexualidade

“Sou de uma geração em que a ambiguidade sexual e a presença do conteúdo homoerótico era vivida por muitos artistas. Veja-se o próprio Bob Dylan, que na época não parecia nada andrógino nem atraente desse ponto de vista, e que, olhado hoje, era superandrógino, fazia charme de andrógino, era bonitinho, parecia uma menina. Eu sou parte dessa geração em que os ídolos são andróginos”, dizia-me Caetano Veloso em Outubro do ano passado, deixando-me a matutar naquilo. Aos 65 anos, sem nada para provar, estava a ser sincero quando, olhos nos olhos, admitiu que tinha perdido o narcisismo próprio de quem se sente uma beldade na flor da idade, não levando a mal a questão: “Quando tinha 23 anos aplicaram-lhe um teste psicológico cujo resultado final foi “homossexualismo latente; identificação feminina e identificação da figura da mulher”. Como vê estes resultados? Ele, que diz que responde a rigorosamente tudo o que lhe perguntam, não negou: “Reconheci-me um pouco neles mas ao mesmo tempo a minha vida prática não corroborava nem confirmava esse diagnóstico”. Delicado e sereno, não reservou a sua vida íntima, confidenciou-me que começou a namorar com a ex-esposa, Paulinha Lavigne, quando ela tinha 13 anos e que ela perdeu a virgindade no dia em que ele fazia 40, mas do que ele não gostou mesmo nada foi quando lhe lembrei que um jornal de S.Paulo tinha escrito que Caetano era assexuado. “Assexuado eu? Não. Nunca. Nem pensar. Deus me livre disso e dessa palavra. Jamais”. Calma Caetano. Desse jeito nervoso nem parece você.

sábado, 3 de maio de 2008

Oxalá

Encontrei-me com Bana nas vésperas do seu primeiro concerto no Porto, em Julho de 1999 – comemorava então 50 anos de carreira e 40 LP’s gravados – e ultimamente a imagem daquele imponente senhor, de infinita bondade e porte de príncipe, tem-me assolado a memória. Recordo-me que durante as horas em que estivemos juntos não largou das mãos um lenço branco perfeitamente vincado com que limpou os olhos turvados pela emoção. “Nunca pensei nem quis ser um embaixador da música de Cabo Verde. Descobri que tinha o dom de cantar aos 12 anos e vou continuar a fazê-lo até morrer”, profetizou, olhar absorto em recordações, ele a brincar nas ruas de São Vicente, o calor do tempo em que uma prima dedilhava uma guitarra portuguesa sentada no beiral da sua porta, quando empurrava a cadeira de rodas de B.Leza que o chamava de touro. Na altura a sua voz não era apreciada, fez-me crer que ninguém gostava de o ouvir, que não se surpreendeu, quando chegou a Portugal, que não lhe tivessem dado o devido valor: “Fui-me cansando e já só pensava em abandonar esta vida”.
Um dia destes uma amiga em comum foi vê-lo ao hospital, contou-me que ele a recebeu com um sorriso do seu colossal tamanho, com uma ternura e respeito de fazer doer o coração. Mencionou que à sua volta estavam uns músicos cabo-verdianos em repetidas vénias de gratidão a que ele, baptizado Adriano Gonçalves, respondia com um sorriso, leves acenos, combalido mas moralmente elevado. Escuto a sua voz redentora, vislumbro o seu jeito imponente, sinto-lhe o coração debilitado e comovido. Oxalá volte a cantar.

sábado, 26 de abril de 2008

Neuróticos?

Encontrei-me num hotel de Óbidos com a cantora brasileira Joanna, que no registo é Maria de Fátima, e passeei com ela por entre as patrimoniais muralhas da terra do chocolate. Enigmática, disse-me que às vezes é “frágil como as asas de um passarinho”, que facilmente rebenta num pranto, mas não acreditei. Confesso que a cantora não faz nada o meu género e, cá entre nós, tem qualquer coisa que assusta a maioria dos homens. Senti-me como que intimidado e nem ousei questioná-la sobre tendências sexuais ou feminismos. De “Pintura Íntima” só o nome do disco, o pai que é de Viseu, as luzes que diz semear por onde passa e a curiosa “Caravela de Prata” que só ela e Amália receberam. Conta rosários de fé e devoção a Nossa Senhora, agradece-lhe ter saído de casa ainda adolescente para “trabalhar à noite como garçonete e de dia em mais dois empregos”. Uma sonhadora que acredita que “a normalidade é uma ilusão”. O quê? “De perto, ninguém é normal. Todos temos vários lados, somos multifacetados, neuróticos. Somos todos neuróticos”. Atordoado com a sentença, ainda a ouvi dizer, meio pasmado: “Quando me deparo com a falta de civilidade ou se alguém desrespeita o meu trabalho, ponho a boca no trombone o mais alto possível para que todos os ouvidos estejam bem abertos para escutar as verdades. Aí eu digo o que penso, vomito, jorro para fora, expludo”. Deus nos livre.

sábado, 19 de abril de 2008

Suicídio

Há uns tempos fui a Braga entrevistar Adolfo Luxúria Canibal acompanhado pela manita Mirabelle – meia francesa e não conhecia os Mão Morta – que se revelou de imediato seduzida com o som e as letras da banda de culto mais antiga da música portuguesa. E disse: “Se na minha adolescência eu também tivesse gritado “quero morder-te as mãos”, ao longo dos anos provavelmente não teria mordido tantos desgraçados”. Lá no cimo, no Bom Jesus, o cantor foi tirar umas fotos na casa-de-banho e quando voltou não me surpreenderam os antagonismos entre Luxúria Canibal, o vocalista, e Morais Macedo, o jurista. O que me apanhou desprevenido foi a forma como atacou, sem rodeios, a Igreja e a terra em que vive, “onde há uma maledicência generalizada e uma entediante pasmaceira”, e o facto de nunca ter votado porque não se revê representado por outrem, “seja ele quem for”. Todavia, o que me avocou foi a forma como se referiu à morte como sendo “extraordinariamente atractiva, algo que nos enamora e nos alicia constantemente”. Referia-se às dores da alma, “as dores que fazem com que haja tantos suicídios entre os adolescentes”. E tu, Adolfo, já pensaste em te suicidar? “Pensei, é evidente. Até um dia em que, depois da ideia de suicídio ser em mim recorrente, perceber que a morte estava sempre à mão. Se a coisa corresse mal cometia o acto”. E como? “Para mim está sempre associado à pistola”. É este abraçar ilimitado de possibilidades, com derrapagens, fios da navalha e tudo o que isso tem de excitante e dramático, que fascina os que não desistem da fuga à normalidade.

sábado, 12 de abril de 2008

Emoções

Fafá de Belém beijou-me, exuberante, por entre sonoras gargalhadas, humor estrelado e a mesma imensidão de simpatia. Com fartos seios desviados do sutien, recebeu-me como sempre: “Meu querido Zé, que bom ver-te, ó pá”. Naquele dia estava com a pele mais aveludada e o génio todo lá, mas a memória dos seus ascendentes teimava em não se afastar. Falou-me da avó de Castelo de Paiva – que “representou a força da mulher, a independência e o matriarcado antimachista” – e contou-me que quando o pai faleceu entrou de rompante na sala do velório, pôs Frank Sinatra a cantar nas alturas e deixou toda a gente indignada. “As beatas sumiram na hora”, riu alto. No dia seguinte encontrei-a mais abatida. Confessou-me que estava “morrendo de saudades” do pai e que desde que ele a tinha deixado se sentia perdida. ‘Seu Fifi’ era para ela a expressão máxima do amor na Terra, dele herdou a sensibilidade que tanto a faz estremecer de dor como rir de prazer. Quase de seguida, com emoções em catadupa, entre mais um ataque de saudades e pranto, deixei que encostasse o peito ao meu, como se eu fosse o irmão que desejava ter tido, o que me fez pensar que é mais fácil esquecer as pessoas com quem rimos do que aquelas com quem chorámos. Acho que é por essas lágrimas que tenho tanto carinho por ela, guardando religiosamente uma fotografia em que estamos abraçados e com um sorriso do tamanho da felicidade possível.

sábado, 5 de abril de 2008

Boca santa

Um dia destes mandei uma mensagem a um amigo que estava com o Paulo Gonzo e, por brincadeira, perguntei-lhe como é que estava o Paulo…Ganza. Segundos depois recebi uma chamada do cantor dos “Jardins Proibidos” a, no seu jeito libertino, insurgir-se: “Com que então Paulo Ganza…Sabes muito bem que eu não gosto de ganzas…Essas coisas são para pobretanas, não para mim”. E riu-se. Enquanto falávamos, lembrei-me da primeira vez em que o vi em palco com os Go Graal Blues Band, o cabelo encaracolado, desgrenhado, encostado a uma trave do palco improvisado em cima de um tractor, eu adolescente, fascinado com a sua postura boémia e irreverente. A última vez que estive com ele, de seu nome Alberto Ferreira Paulo, dizia-me que se sente velho para o sexo, drogas e rock n’roll. Pura mentira. Estava cheio de genica e com a vocação de anedoteiro de sempre. “As pessoas seriam mais felizes se se olhassem ao espelho e se rissem delas próprias”, disse-me entre gargalhadas, marotas, depravadas. Um outro dia fui a uma das suas famosas festas, provavelmente o maior índice de VIP’s por metro quadrado, Cinha Jardim, Petit, Olavo Bilac, Lili Caneças, traços de rostos felizes, ele faustoso, a mão com um problema de pele a acariciar a careca. Às tantas abeirou-se dele uma bela donzela, deu-lhe um abraço apertado e exclamou, lânguida: “tu és o meu sex-symbol preferido”. E ele, gago, aquele ar de puto traquina: “ó filha, sabes, eu tenho uma boca santa”.

sábado, 29 de março de 2008

País da treta

Rui Veloso raramente atende o telemóvel mas quase sempre retorna a chamada. Ligou, disse-me que era fã destas minhas crónicas, que apreciava “a forma, directa e frontal,” como me referia aos artistas, “a coragem para não esconder a verdade”. Espero, retorqui, que quando escrever sobre ti mantenhas essa opinião. “Então e porque não manteria?” Lembrei-lhe que, há meia dúzia de anos, no 1º Festival de Blues de Gaia, escrevi que o André Indiana era “vaidoso e pedante” e que, no dia seguinte, fui abordado pelo jovem guitarrista quase em pranto e que ele, solidário, apertou-me a mão enviesada e exclamou: “não devias ter escrito aquilo”. O cantor de “Chico Fininho”, no seu jeito igualmente franco, clama do outro lado do telefone: “É pá, tu estavas certo. Esse gajo é mesmo arrogante”. Dias depois fui encontrá-lo nuns estúdios que tem em Belas, tocou-me uns acordes como só ele sabe, vi-o revoltado com “este país da treta, de gente hipócrita, medrosa e cobarde que nem para pedir o livro de reclamações num restaurante tem coragem porque isso pode implicar chatices”. A mancar, por causa de uma recente operação ao menisco, levou-me até ao jardim que beira a sua residência e, ao falarmos da forma como as rádios tratam os nossos artistas, ouvi-o afirmar, indignado: “É uma vergonha termos andado a mendigar uma lei para passar 25% de música portuguesa e mesmo assim sofrendo resistências. Por causa dessas coisas é que eu preferia ser espanhol ou inglês”.

sábado, 22 de março de 2008

Vida privada

Sérgio Godinho não gosta que se fale da sua vida pessoal. “É pá, o que é que isso interessa?”, confrontou-me quando o entrevistei a propósito do disco “Nove e Meia no Maria Matos” que lançou em Janeiro.Respeitei-lhe a vontade, não o questionei sobre as tentativas de engate de que já foi alvo, nem as suas idas a Coimbra, nem a namorada que tem em São Silvestre, e muito menos o abordei para saber o que ia fazer à farmácia de São João do Campo, mas não pude deixar de lhe falar do facto de ter estado preso no Brasil. “Fui detido ainda no início da minha carreira, com os Living Theatre, acusado de subversão e posse de drogas. Fomos absolvidos das acusações antes do julgamento terminar e deram-nos ordem de expulsão”. Quando lá voltou nos anos 80 foi preso outra vez. “Mas fui absolvido de novo pelo Supremo Tribunal de Justiça”, contou, para logo a seguir considerar “uma enorme e feliz coincidência” o facto de na última vez que foi ao Rio de Janeiro ter encontrado os Da Weasel à porta de um restaurante. Sérgio também não gosta que se fale nisso mas é pai de três filhos e avô de uma menina ainda bebé, “assunto que vou desenvolvendo com prazer”, pedindo-me de novo, educadamente, para deixarmos de lado essas questões da vida privada. Mas Sérgio, qual a diferença entre a vida do criador e a sua criação? “É que já são 36 anos de uma carreira e 17 álbuns de canções”. Será isso mais importante que 63 anos de uma linda vida?

sábado, 15 de março de 2008

Fofoca

Fui o único jornalista a entrar nos camarins dos Babyshambles no Festival de Paredes de Coura do ano passado, o Pete Doherty parecendo um pastor de ovelhas, coberto com uma manta castanha e um chapéu de abas largas, os olhos esbugalhados, a suar. Por causa da ressaca. Ao confirmar-me que tinha vindo de comboio de Londres até ao Porto numa viagem que demorou 25 horas, deixando implícito que o tinha feito porque era mais fácil drogar-se do que no avião, senti que fazia parte de uma turma de paparazzos que não deixam o homem em paz. Na entrevista, de rara intimidade, confidenciou-me que acha os portugueses muito estranhos. E deu-me um exemplo: “Uma vez, em Lisboa, um fotógrafo andou horas atrás de mim. Às tantas, quando estava a negociar com um “dealer” aproximou-se e ordenou: “Não faças isso. Vai embora daqui antes que morras ou te matem”. Perguntei-lhe como é que reagiu. “Mandei-o lixar. Parecia um pastor de igreja a querer salvar um pecador por opção”. Percebi que me contava aquilo porque eu tinha conquistado a sua confiança. Enganei-o. Eu estava a ser apenas mais um que faz parte de uma seita que anda atrás dos famosos para lhes dissecar a vida até ao tutano. “Os jornalistas são um pesadelo”, disse-me, como se me confundisse com um fã. No dia seguinte lá estavam as suas intimidades escarrapachadas no CM, tim tim por tim tim, qual amizade qual quê, eu quis foi sacar-lhe umas coisas e dar ao nosso povo o que o nosso povo gosta: fofoca.

sábado, 8 de março de 2008

Justo e pecador

Faz uns quinze anos que me encontrei a primeira vez com o Vitorino. Entrei nos camarins do Europarque, em Santa Maria da Feira, com ele em frente ao espelho a aprumar a boina e a cofiar o bigode. Olhou na minha direcção e começou a insultar-me. Perguntou se eu era do jornal “Público”, não, então porquê, “porque se fosse expulsava-o já daqui”. Calma amigo, então o que é que se passa para estar tão desaforado, “escreveram umas coisas sobre mim no “Público” que eu não admito”. Ok, mas o que é que eu tenho a ver com isso, “não quero saber”, gritou-me aos ouvidos. Dei meia volta e sem me despedir ia para abandonar a sala, “não, não é caso para isso, não vá embora que eu dou-lhe a entrevista”. Fiquei com uma péssima opinião do cantor do Redondo e até me apanhei a pensar nele como “um quadrado” mas parece que me enganei.Um dia destes entrevistei-o e lembrei-lhe esse episódio: “Pagou o justo pelo pecador”, justificou-se. “Havia um jornalista, o Fernando Magalhães - que se suicidou - que, por sistema, tratava a gente mal. Até que a gente se cansou e de maneira que, quando ele aparecia nos concertos, não o deixávamos entrar. Coitado. Fartei-me de o expulsar”. Subimos juntos a ladeira da Rua da Imprensa Nacional, entrou na sua Renault 4 L e ao vê-lo partir não resisti a pensar que o Vitorino pode ter mudado muito mas mantém um toque revolucionário, fiel a Che Guevara, “a chamar os bois pelos nomes”.

sábado, 1 de março de 2008

Ser solidário

Fui um dia destes a casa de Zé Mário Branco, ele de chinelos de dedo, as unhas dos pés a precisarem de serem cortadas, cigarrilha na boca, os livros amontoados, à mão de semearem inspiração naquele senhor que a esposa considera preguiçoso para compor. Mais do que o dedilhar na guitarra tocou-me a sua coerência e o respeito por princípios que nunca perdem de vista o bem comum. Contou-me que recusou receber a Ordem da Liberdade porque não aceita distinções oficiais de um Estado que corporiza “a sociedade injusta em que vivemos”, nem foi à Expo’98 por considerar que “uma iniciativa daquelas foi um insulto aos pobres”. Ao contrário de muita gente por aí, Zé Mário não tem as convicções à venda, e quando lhe passam as mãos pelas costas desconfia. Ao ser assumidamente contra o sistema, naturalmente que o sistema não lhe dá muito espaço e ele acaba por ser vítima do nacional cinzentismo, “principal factor de repressão dos portugueses”. Ouvi-o a primeira vez a cantar “FMI” quando eu ainda era menino – ele a chorar, a apelar à mãe que o socorresse, a visceralmente gritar – e a canção a apelar em mim à revolução como uma questão de bom senso. Admiro-lhe o jeito radical e frontal de criar incómodos, de se tornar insuportável para alguns, de se dar mal com a fatuidade, a parvoíce e o irrisório. Zé Mário Branco é “improvavelmente feliz” porque para ele “a felicidade só existe se generalizada a todos os seres humanos que são meus irmãos nesta aventura”.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A astraunauta

Encontrámo-nos num bar, chegou com o marido, o Jorge, uns calções e umas botas de pelo por dentro, um jeito intimidatório de vê lá o que é que perguntas à minha esposa que eu estou aqui para a defender, Ana Malhoa a falar dele como “o meu braço direito, esquerdo, perna esquerda, perna direita, tudo”. Às tantas, a propósito de umas fotos em que aparece nua na Internet, a boa da Ana começa a negar a pés juntos que alguma vez se tenha deixado fotografar nua. Duvidei e, perante a insistência, ouvia confessar: “mediante certas condições estaria disposta a despir-me para a Playboy”. E, pose armada, sorriso fabricado para a fotografia, ergueu os peitos e exclamou: “Quando a Índia nasceu fiquei com umas maminhas que pareciam dois berlindes” e, Mamalhoa, “depois da plástica voltei a ter umas esferas”. E abanou-as. Conto-lhe que um internauta escreveu que “a Ana Malhoa é a mulher mais bonita de Portugal, por quem dava tudo o que tenho de bom na vida para estar umas horas”. Ela, deleitada, não esconde o agrado, passa a língua pela alvura da dentadura, lança o mesmo sorriso. Vaidoso e fabricado. Um outro internauta, que assina Almeida, e que escreve “O corpo da Ana Malhoa põe-me louco, pagava tudo o que tenho para a levar para a cama”, faz com que a cantora se ria, alto e bom som, o marido sempre com cara de poucos amigos, a filhinha, a Índia, ainda mais tímida ao colo do papai, a Ana que dispara, toda sensual: “sabia que o meu grande sonho de criança era ser astronauta?”

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Bizarrias

Incentivado pelo estigma de que com Paulo Furtado tudo pode acontecer em palco, fui a Coimbra ver os conterrâneos Wraygunn e o magnetismo, bizarria e sede de estranhamento do Tigerman. Desta vez nenhuma menina lhe mordeu os testículos, nem ele partiu a cabeça, nem jorrou sangue sem que percebesse. “Tinha uns óculos vermelhos e pensava que era suor”, contou-me há uns anos aqui em casa, num dia soalheiro em que dois americanos de uma certa ceita religiosa se aproximaram com a Bíblia na mão e acabaram com a guitarra a tiracolo, boquiabertos com a tatuagem que vislumbraram no braço de Furtado: “Straight to Hell”. “A confirmar-se a existência de um Céu e de um Inferno, que eu tenho certas dúvidas, pelos cânones da religião católica irei direitinho para o Inferno”, contou-nos sem o esboço de um sorriso.
Recordei uma outra noite coimbrã de Queima das Fitas em que os Tédio Boys entraram em palco nus e com as partes íntimas cobertas com um frango pronto a ir à fogueira, no corpo cicatrizes de escaramuças “numa Coimbra ingrata”, tempos em que a sua existência chegou a depender do recurso à violência. No palco, ele é outro, ganha uma força que não tem na vida real, franzino, distante, ali libertado num turbilhão de emoções e algum descontrolo que o faz trepar as estruturas dos palcos ou saltar em cima das colunas.
Terminada a actuação, Furtado esvazia-se por dentro e não tem mais para dar.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Saulzinho, o 'alien'

Fiquei amigo do guitarrista e violinista dos James e fui descobrindo um Saulzinho franzino e irrequieto, que se sentia um 'alien' em Portugal. Contou-me que a sua vida ficou marcada pelo facto dos pais terem sido professores de crianças deficientes, por ter habitado "em estranhos edifícios com loucos e convivido com um irmão adoptivo preto e outro com problemas mentais. Íamos para a escola com roupas coloridas, a cheirar a bosta e com o cabelo, que nunca tinha sido cortado, a cair até ao rabo". Já tocava mas só pensava em desistir "porque queria ser jogador de futebol e não um violinista com ar de homosexual". Disse-me que "era o melhor músico, o capitão da equipa, o que ganhava as corridas de atletismo e o que comia as irmãs deles". Tinha 16 anos quando o pai "desapareceu com outra mulher", sobreviveu a tocar violino na rua e a morar com um grupo de prostitutas espanholas. De repente, tudo mudou. Foi convidado para os James, gravou "Sit Down", trocou a bicicleta pela limusina, atingiu os tops de todo o Mundo. Uma vez disse-me que não foi por ter casado com a bela da Ana e ficado a morar em Portugal que os James acabaram, mas porque "andávamos todos paranóicos com uma carta de uma japonesa que tinha uma foto com as capas dos nossos discos e uma faca ensanguentada por cima. Dizia que, se não lhe déssemos atenção, se suicidaria".