Fui um dia destes a casa de Zé Mário Branco, ele de chinelos de dedo, as unhas dos pés a precisarem de serem cortadas, cigarrilha na boca, os livros amontoados, à mão de semearem inspiração naquele senhor que a esposa considera preguiçoso para compor. Mais do que o dedilhar na guitarra tocou-me a sua coerência e o respeito por princípios que nunca perdem de vista o bem comum. Contou-me que recusou receber a Ordem da Liberdade porque não aceita distinções oficiais de um Estado que corporiza “a sociedade injusta em que vivemos”, nem foi à Expo’98 por considerar que “uma iniciativa daquelas foi um insulto aos pobres”. Ao contrário de muita gente por aí, Zé Mário não tem as convicções à venda, e quando lhe passam as mãos pelas costas desconfia. Ao ser assumidamente contra o sistema, naturalmente que o sistema não lhe dá muito espaço e ele acaba por ser vítima do nacional cinzentismo, “principal factor de repressão dos portugueses”. Ouvi-o a primeira vez a cantar “FMI” quando eu ainda era menino – ele a chorar, a apelar à mãe que o socorresse, a visceralmente gritar – e a canção a apelar em mim à revolução como uma questão de bom senso. Admiro-lhe o jeito radical e frontal de criar incómodos, de se tornar insuportável para alguns, de se dar mal com a fatuidade, a parvoíce e o irrisório. Zé Mário Branco é “improvavelmente feliz” porque para ele “a felicidade só existe se generalizada a todos os seres humanos que são meus irmãos nesta aventura”.
sábado, 1 de março de 2008
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