Encontrei-me num hotel de Óbidos com a cantora brasileira Joanna, que no registo é Maria de Fátima, e passeei com ela por entre as patrimoniais muralhas da terra do chocolate. Enigmática, disse-me que às vezes é “frágil como as asas de um passarinho”, que facilmente rebenta num pranto, mas não acreditei. Confesso que a cantora não faz nada o meu género e, cá entre nós, tem qualquer coisa que assusta a maioria dos homens. Senti-me como que intimidado e nem ousei questioná-la sobre tendências sexuais ou feminismos. De “Pintura Íntima” só o nome do disco, o pai que é de Viseu, as luzes que diz semear por onde passa e a curiosa “Caravela de Prata” que só ela e Amália receberam. Conta rosários de fé e devoção a Nossa Senhora, agradece-lhe ter saído de casa ainda adolescente para “trabalhar à noite como garçonete e de dia em mais dois empregos”. Uma sonhadora que acredita que “a normalidade é uma ilusão”. O quê? “De perto, ninguém é normal. Todos temos vários lados, somos multifacetados, neuróticos. Somos todos neuróticos”. Atordoado com a sentença, ainda a ouvi dizer, meio pasmado: “Quando me deparo com a falta de civilidade ou se alguém desrespeita o meu trabalho, ponho a boca no trombone o mais alto possível para que todos os ouvidos estejam bem abertos para escutar as verdades. Aí eu digo o que penso, vomito, jorro para fora, expludo”. Deus nos livre.
sábado, 26 de abril de 2008
sábado, 19 de abril de 2008
Suicídio
Há uns tempos fui a Braga entrevistar Adolfo Luxúria Canibal acompanhado pela manita Mirabelle – meia francesa e não conhecia os Mão Morta – que se revelou de imediato seduzida com o som e as letras da banda de culto mais antiga da música portuguesa. E disse: “Se na minha adolescência eu também tivesse gritado “quero morder-te as mãos”, ao longo dos anos provavelmente não teria mordido tantos desgraçados”. Lá no cimo, no Bom Jesus, o cantor foi tirar umas fotos na casa-de-banho e quando voltou não me surpreenderam os antagonismos entre Luxúria Canibal, o vocalista, e Morais Macedo, o jurista. O que me apanhou desprevenido foi a forma como atacou, sem rodeios, a Igreja e a terra em que vive, “onde há uma maledicência generalizada e uma entediante pasmaceira”, e o facto de nunca ter votado porque não se revê representado por outrem, “seja ele quem for”. Todavia, o que me avocou foi a forma como se referiu à morte como sendo “extraordinariamente atractiva, algo que nos enamora e nos alicia constantemente”. Referia-se às dores da alma, “as dores que fazem com que haja tantos suicídios entre os adolescentes”. E tu, Adolfo, já pensaste em te suicidar? “Pensei, é evidente. Até um dia em que, depois da ideia de suicídio ser em mim recorrente, perceber que a morte estava sempre à mão. Se a coisa corresse mal cometia o acto”. E como? “Para mim está sempre associado à pistola”. É este abraçar ilimitado de possibilidades, com derrapagens, fios da navalha e tudo o que isso tem de excitante e dramático, que fascina os que não desistem da fuga à normalidade.
sábado, 12 de abril de 2008
Emoções
Fafá de Belém beijou-me, exuberante, por entre sonoras gargalhadas, humor estrelado e a mesma imensidão de simpatia. Com fartos seios desviados do sutien, recebeu-me como sempre: “Meu querido Zé, que bom ver-te, ó pá”. Naquele dia estava com a pele mais aveludada e o génio todo lá, mas a memória dos seus ascendentes teimava em não se afastar. Falou-me da avó de Castelo de Paiva – que “representou a força da mulher, a independência e o matriarcado antimachista” – e contou-me que quando o pai faleceu entrou de rompante na sala do velório, pôs Frank Sinatra a cantar nas alturas e deixou toda a gente indignada. “As beatas sumiram na hora”, riu alto. No dia seguinte encontrei-a mais abatida. Confessou-me que estava “morrendo de saudades” do pai e que desde que ele a tinha deixado se sentia perdida. ‘Seu Fifi’ era para ela a expressão máxima do amor na Terra, dele herdou a sensibilidade que tanto a faz estremecer de dor como rir de prazer. Quase de seguida, com emoções em catadupa, entre mais um ataque de saudades e pranto, deixei que encostasse o peito ao meu, como se eu fosse o irmão que desejava ter tido, o que me fez pensar que é mais fácil esquecer as pessoas com quem rimos do que aquelas com quem chorámos. Acho que é por essas lágrimas que tenho tanto carinho por ela, guardando religiosamente uma fotografia em que estamos abraçados e com um sorriso do tamanho da felicidade possível.
sábado, 5 de abril de 2008
Boca santa
Um dia destes mandei uma mensagem a um amigo que estava com o Paulo Gonzo e, por brincadeira, perguntei-lhe como é que estava o Paulo…Ganza. Segundos depois recebi uma chamada do cantor dos “Jardins Proibidos” a, no seu jeito libertino, insurgir-se: “Com que então Paulo Ganza…Sabes muito bem que eu não gosto de ganzas…Essas coisas são para pobretanas, não para mim”. E riu-se. Enquanto falávamos, lembrei-me da primeira vez em que o vi em palco com os Go Graal Blues Band, o cabelo encaracolado, desgrenhado, encostado a uma trave do palco improvisado em cima de um tractor, eu adolescente, fascinado com a sua postura boémia e irreverente. A última vez que estive com ele, de seu nome Alberto Ferreira Paulo, dizia-me que se sente velho para o sexo, drogas e rock n’roll. Pura mentira. Estava cheio de genica e com a vocação de anedoteiro de sempre. “As pessoas seriam mais felizes se se olhassem ao espelho e se rissem delas próprias”, disse-me entre gargalhadas, marotas, depravadas. Um outro dia fui a uma das suas famosas festas, provavelmente o maior índice de VIP’s por metro quadrado, Cinha Jardim, Petit, Olavo Bilac, Lili Caneças, traços de rostos felizes, ele faustoso, a mão com um problema de pele a acariciar a careca. Às tantas abeirou-se dele uma bela donzela, deu-lhe um abraço apertado e exclamou, lânguida: “tu és o meu sex-symbol preferido”. E ele, gago, aquele ar de puto traquina: “ó filha, sabes, eu tenho uma boca santa”.
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